Paula T- Depois de ter
passado algum tempo da publicação do teu romance “Governo Sombra” que balanço
fazes de todo o trabalho que houve (desde a escrita, à publicação e à
divulgação) e que nós leitores não damos conta?
Casimiro - Antes de mais, gostaria
de agradecer a oportunidade desta entrevista, sobretudo vindo o convite de quem
veio. A Paula, desde que nos conhecemos, sempre foi uma das pessoas que mais
apoio me foi prestando, e essas coisas de desprendimento, eu nunca esqueço.
Quanto ao livro em si,
só me ocorre dizer que passei por três fases muito distintas. Não me apetece
muito ser politicamente correcto, pois, não me restam mais dúvidas de que
aquilo que é conforme ao dever, há muito que se evadiu do que é politico.
Adiante. Primeiro vivi o encanto tolo que se tem quando se escreve para nós
mesmos. É sempre uma tola inocência escrever, porque primeiro escuta-se tudo,
começa sempre por aí. Qualquer escritor é um escutador em primeiro lugar.
Depois captura-se o que nos comove o que nos rouba o chão. Tem de ser quase
algo que nos dissolve: Uma frase, uma pessoa, um momento, tem de se tomar posse
destas coisas, e ficamos perdidos, tolos com isto. Depois para dar um sentido
às coisas temos de sair de nós mesmos, e aí começa a história. Esta é a parte
boa do processo.
Sabia que tinha todo
este material escrito mas nunca partilhado, por pudor, por desconforto, por
outras razões. A vontade existia, faltava tudo o resto. Chega então a segunda
fase. A dolorosa. Partilhar, publicar. Este país tem escritores a mais, se
calhar, eu sou um deles. O problema não é tanto o de se querer escrever. Meu
Deus, quem dera que mais pessoas escrevessem as suas ideias, as suas histórias,
é uma forma excelente de purga interior. O problema é que todos as querem ver
publicadas, e, simplesmente, embora o seja possível fazer, não é provável que
todos o consigam fazer com sucesso. É uma lei de mercado a que controla a
publicação de livros, tão válida quanto a lei que rege a produção de ananases
ou a do fabrico de carrinhos de bebé. A lei da procura e da oferta. É muito
cruel, e foi preciso dar esse passo mais sério para a descobrir. Talvez seja
este o aspeto que os leitores nem se dão conta, mas até acredito que muitos o
sabem.
Desenganem-se os que
pensam que tudo se deve à qualidade da escrita. É mentira. Sem fama, sem
prémios, sem uma mão providencial na altura certa, certos autores e os livros
que escrevem nunca irão ser divulgados como merecem, e sem divulgação os livros
morrem um bocadinho, sem leitores, morrem completamente. Mas, é assim que as
coisas são, e chorar sozinho não nos vai ajudar de todo. Embora por vezes, seja
preciso chorar e muito.
Paula T- Como sentes que os
leitores receberam a tua obra?
Casimiro - Os que a conseguiram
obter, receberam-na muito bem, muito bem mesmo. Foi recompensante receber
tantas opiniões positivas sobre o livro, aliás, agora que penso nisso, creio
que não recebi até à data, nenhuma opinião negativa, salvo algumas críticas
pontuais, mas todas elas muito construtivas. Estou feliz por isso, é claro.
Assim que me decidi a embarcar nesta experiência de “ser escritor” nunca mais
desisti de acreditar. Acredito sim, acredito na longevidade das coisas, o que
não acredito ainda, é que sou um escritor. O meu pai escrevia muitas cartas,
seria ele um escritor? A minha filha, que quer ser professora, escreve
composições sem ninguém lhas pedir, e depois corrige-as ela mesma, com a caneta
vermelha. Será que também ela é uma escritora? – No fundo somos todos
escritores, penso eu. Só precisamos de passar pelo duro crivo dos doutos
senhores que controlam este mundo, para atingirmos a meta dos leitores com o
“canudo” de escritor já previamente reconhecido e avalizado.
Paula T- Em relação às
editoras cujos autores pagam para ver as suas obras publicadas (como foi o teu
caso), achas que são uma mais valia, dado que de outra forma seria complicado
ter um livro editado ou as desvantagens são bem maiores?
Casimiro - Que pergunta tão boa.
Quando ainda era um tolo, pensava como um tolo, agia como um tolo, e acreditava
em tudo. Agora só sou tolo quando escrevo, o resto do tempo, tenho de ter a
dureza do fogo cá dentro. Vou ser muito claro; nunca, mas nunca mais na minha
vida, pagarei mais um cêntimo para ser publicado. Foi um dos grandes erros da
minha vida, continuar a ser tolo numa fase do processo em que deveria ser
atento e realista. Agora aprendi a lição, e o conselho que dou a toda a gente é
o seguinte: não vendam os vossos sonhos. Tudo aquilo, que aos vossos olhos, é
puro e perfeito, transforma-se em nada num instante. Lembrem-se da lei dos
mercados. O que lhes importa é o vosso dinheiro, e só, só mesmo, no eventual
acaso fortuito de conseguirem algum tipo de protagonismo à luz do que se poderá
chamar de fama, é que verão o curto estender da mão destas editoras no vosso
sentido. De outro modo, acaba-se tudo, mal recebam os vossos livros, os livros
que vocês pagaram, que, na maior parte das vezes, nem correspondem áquilo que
imaginaram que seriam. Eu avisei que iria ser politicamente incorrecto.
Paula T – Como é do
conhecimento de todos, edita-se centenas de livros todos os meses de diversas
editoras. Achas que isto é bom ou mau para o mercado livreiro?
Casimiro - Creio que já respondi a
isto na primeira pergunta, mas reafirmo-o: o Mercado livreiro não pode conseguir
suportar este afluxo imenso. Escrever é em si mesmo um conceito artístico, uma
atividade de paixões, leia-se emotividade aqui. Editar, é, cada vez mais, um
negócio. E um negócio arriscado diga-se de passagem, a prova está em tantas
boas editoras, e excelentes indivíduos editores, que se veem e se viram
obrigados a fechar portas, ou quase a juntarem-se à força das necessidades, a
grandes conglomerados editoriais que dominam o mercado e que ditam as regras e
os gostos. Assim sendo, torna-se muito difícil a conciliação dos dois
processos. Por isso surgiu esse abjeto nicho do mercado, que são as editoras
conjuntas, que editam tudo mediante pagamento prévio, como aconteceu no meu
caso. Não me cabe definir aqui se o meu livro tem ou não valor literário, eu tenho
crença absoluta que sim, mas sou muito suspeito. Ainda não escrevo para ganhar
dinheiro, escrevo pelo prazer que isso me dá, embora espere um dia poder ter
esse mesmo prazer e fazer uma vida modesta às suas custas. Logo se vê no que
dará.
Paula T- Tens novos projetos
para breve?
Casimiro - Imensos. Tenho já
publicado (auto-publicação) uma novela, o que hoje em dia se chama de
quase-romance, que se chama “Corre!” e que narra a estória de um homem,
Humberto Crica, muito invulgar, um cinquentão solitário que viveu a vida
inteira fechado num mundo perfeito, protegido de tudo e de todos, até descobrir
que sofre de uma doença terminal, que lhe resta pouco tempo de vida, e que
nunca viveu de facto, nem quanto muito saboreou o prazer de provar uma mera
fatia de pizza ou o deslumbre do amor. Estou também a ultimar um novo livro de
poesia, que muito provavelmente também será auto-publicado, tenho um novo
romance submetido para publicação: “Duas Vidas sem Importância” – façam figas -
e estou a dar os primeiros passos na difícil tarefa da escrita para crianças.
Além disso, estou também a fazer pesquisa para um outro romance, que muito
certamente, só estará terminado nos finais de 2013, princípios de 2014.
Paula T- Que autores
influenciam a tua escrita?
Casimiro - Gosto de poesia, sabes?
Escrevo muita poesia, e a escrita da poesia acarreta uma responsabilidade muito
séria. De qualquer forma, inspiram-me muito mais os poetas do que os
romancistas ou os ensaístas. Gosto de Borges e de Neruda, e dos românticos
ingleses: Byron, Shelley, Yeats, e temos poetas tão bons. Herberto Helder,
Mário de Sá Carneiro, Al Berto, o Cesário, Pessoa, Maria Teresa Horta, e o
saudoso Manuel Pina. Sei lá, são tantos. Na prosa sou apaixonado pelo Hemingway
e pelo Mário Cláudio, mas aqueles que leio e releio vezes sem conta, são os
autores sul-americanos: Garcia Marquez, Vargas Llosa, Allende, Sepúlveda, o Mia
Couto também, que não se enquadra bem aqui, mas amo-o na mesma. De mais a mais,
estou sempre a descobrir novos autores que me encantam igualmente, e isso, é o mais
importante de tudo, a descoberta.
Casimiro, muito obrigado, tudo de bom para ti e muito sucesso!
4 comentários:
muito boa a entrevista e sem reservas nas "palavras", as histórias multiplicam-se o azedume entre editoras e "jovens" escritores, verdadeiramente triste, mas força C. T. só espero que esta entrevista ajude outras almas, pela minha parte fiquei bem mais lúcido. parabéns a ambos os Casimiro e Paula.
Ângelo,
Esta foi uma entrevista que me deu muito agrado fazer. Já tinha dado conta desta situação... e é preciso mostrar esta realidade que muitos de nós desconhecemos.
:)
A angústia do autor é notória nesta entrevista, mas a perseverança também, característica esta que certamente prevalecerá.
Vasco
http://vascoricardo.blog.com
Gostei muito da entrevista, espero que se façam mais para divulgação dos autores portugueses, os meu parabéns.
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