28/11/2012

Escritores na Primeira Pessoa - Casimiro Teixeira


Paula T- Depois de ter passado algum tempo da publicação do teu romance “Governo Sombra” que balanço fazes de todo o trabalho que houve (desde a escrita, à publicação e à divulgação) e que nós leitores não damos conta?

Casimiro - Antes de mais, gostaria de agradecer a oportunidade desta entrevista, sobretudo vindo o convite de quem veio. A Paula, desde que nos conhecemos, sempre foi uma das pessoas que mais apoio me foi prestando, e essas coisas de desprendimento, eu nunca esqueço.

Quanto ao livro em si, só me ocorre dizer que passei por três fases muito distintas. Não me apetece muito ser politicamente correcto, pois, não me restam mais dúvidas de que aquilo que é conforme ao dever, há muito que se evadiu do que é politico. Adiante. Primeiro vivi o encanto tolo que se tem quando se escreve para nós mesmos. É sempre uma tola inocência escrever, porque primeiro escuta-se tudo, começa sempre por aí. Qualquer escritor é um escutador em primeiro lugar. Depois captura-se o que nos comove o que nos rouba o chão. Tem de ser quase algo que nos dissolve: Uma frase, uma pessoa, um momento, tem de se tomar posse destas coisas, e ficamos perdidos, tolos com isto. Depois para dar um sentido às coisas temos de sair de nós mesmos, e aí começa a história. Esta é a parte boa do processo.

Sabia que tinha todo este material escrito mas nunca partilhado, por pudor, por desconforto, por outras razões. A vontade existia, faltava tudo o resto. Chega então a segunda fase. A dolorosa. Partilhar, publicar. Este país tem escritores a mais, se calhar, eu sou um deles. O problema não é tanto o de se querer escrever. Meu Deus, quem dera que mais pessoas escrevessem as suas ideias, as suas histórias, é uma forma excelente de purga interior. O problema é que todos as querem ver publicadas, e, simplesmente, embora o seja possível fazer, não é provável que todos o consigam fazer com sucesso. É uma lei de mercado a que controla a publicação de livros, tão válida quanto a lei que rege a produção de ananases ou a do fabrico de carrinhos de bebé. A lei da procura e da oferta. É muito cruel, e foi preciso dar esse passo mais sério para a descobrir. Talvez seja este o aspeto que os leitores nem se dão conta, mas até acredito que muitos o sabem.
Desenganem-se os que pensam que tudo se deve à qualidade da escrita. É mentira. Sem fama, sem prémios, sem uma mão providencial na altura certa, certos autores e os livros que escrevem nunca irão ser divulgados como merecem, e sem divulgação os livros morrem um bocadinho, sem leitores, morrem completamente. Mas, é assim que as coisas são, e chorar sozinho não nos vai ajudar de todo. Embora por vezes, seja preciso chorar e muito.

Paula T- Como sentes que os leitores receberam a tua obra?

Casimiro - Os que a conseguiram obter, receberam-na muito bem, muito bem mesmo. Foi recompensante receber tantas opiniões positivas sobre o livro, aliás, agora que penso nisso, creio que não recebi até à data, nenhuma opinião negativa, salvo algumas críticas pontuais, mas todas elas muito construtivas. Estou feliz por isso, é claro. Assim que me decidi a embarcar nesta experiência de “ser escritor” nunca mais desisti de acreditar. Acredito sim, acredito na longevidade das coisas, o que não acredito ainda, é que sou um escritor. O meu pai escrevia muitas cartas, seria ele um escritor? A minha filha, que quer ser professora, escreve composições sem ninguém lhas pedir, e depois corrige-as ela mesma, com a caneta vermelha. Será que também ela é uma escritora? – No fundo somos todos escritores, penso eu. Só precisamos de passar pelo duro crivo dos doutos senhores que controlam este mundo, para atingirmos a meta dos leitores com o “canudo” de escritor já previamente reconhecido e avalizado.

Paula T- Em relação às editoras cujos autores pagam para ver as suas obras publicadas (como foi o teu caso), achas que são uma mais valia, dado que de outra forma seria complicado ter um livro editado ou as desvantagens são bem maiores?

Casimiro - Que pergunta tão boa. Quando ainda era um tolo, pensava como um tolo, agia como um tolo, e acreditava em tudo. Agora só sou tolo quando escrevo, o resto do tempo, tenho de ter a dureza do fogo cá dentro. Vou ser muito claro; nunca, mas nunca mais na minha vida, pagarei mais um cêntimo para ser publicado. Foi um dos grandes erros da minha vida, continuar a ser tolo numa fase do processo em que deveria ser atento e realista. Agora aprendi a lição, e o conselho que dou a toda a gente é o seguinte: não vendam os vossos sonhos. Tudo aquilo, que aos vossos olhos, é puro e perfeito, transforma-se em nada num instante. Lembrem-se da lei dos mercados. O que lhes importa é o vosso dinheiro, e só, só mesmo, no eventual acaso fortuito de conseguirem algum tipo de protagonismo à luz do que se poderá chamar de fama, é que verão o curto estender da mão destas editoras no vosso sentido. De outro modo, acaba-se tudo, mal recebam os vossos livros, os livros que vocês pagaram, que, na maior parte das vezes, nem correspondem áquilo que imaginaram que seriam. Eu avisei que iria ser politicamente incorrecto.

Paula T – Como é do conhecimento de todos, edita-se centenas de livros todos os meses de diversas editoras. Achas que isto é bom ou mau para o mercado livreiro?

Casimiro - Creio que já respondi a isto na primeira pergunta, mas reafirmo-o: o Mercado livreiro não pode conseguir suportar este afluxo imenso. Escrever é em si mesmo um conceito artístico, uma atividade de paixões, leia-se emotividade aqui. Editar, é, cada vez mais, um negócio. E um negócio arriscado diga-se de passagem, a prova está em tantas boas editoras, e excelentes indivíduos editores, que se veem e se viram obrigados a fechar portas, ou quase a juntarem-se à força das necessidades, a grandes conglomerados editoriais que dominam o mercado e que ditam as regras e os gostos. Assim sendo, torna-se muito difícil a conciliação dos dois processos. Por isso surgiu esse abjeto nicho do mercado, que são as editoras conjuntas, que editam tudo mediante pagamento prévio, como aconteceu no meu caso. Não me cabe definir aqui se o meu livro tem ou não valor literário, eu tenho crença absoluta que sim, mas sou muito suspeito. Ainda não escrevo para ganhar dinheiro, escrevo pelo prazer que isso me dá, embora espere um dia poder ter esse mesmo prazer e fazer uma vida modesta às suas custas. Logo se vê no que dará.

Paula T- Tens novos projetos para breve?

Casimiro - Imensos. Tenho já publicado (auto-publicação) uma novela, o que hoje em dia se chama de quase-romance, que se chama “Corre!” e que narra a estória de um homem, Humberto Crica, muito invulgar, um cinquentão solitário que viveu a vida inteira fechado num mundo perfeito, protegido de tudo e de todos, até descobrir que sofre de uma doença terminal, que lhe resta pouco tempo de vida, e que nunca viveu de facto, nem quanto muito saboreou o prazer de provar uma mera fatia de pizza ou o deslumbre do amor. Estou também a ultimar um novo livro de poesia, que muito provavelmente também será auto-publicado, tenho um novo romance submetido para publicação: “Duas Vidas sem Importância” – façam figas - e estou a dar os primeiros passos na difícil tarefa da escrita para crianças. Além disso, estou também a fazer pesquisa para um outro romance, que muito certamente, só estará terminado nos finais de 2013, princípios de 2014.

Paula T- Que autores influenciam a tua escrita?

Casimiro - Gosto de poesia, sabes? Escrevo muita poesia, e a escrita da poesia acarreta uma responsabilidade muito séria. De qualquer forma, inspiram-me muito mais os poetas do que os romancistas ou os ensaístas. Gosto de Borges e de Neruda, e dos românticos ingleses: Byron, Shelley, Yeats, e temos poetas tão bons. Herberto Helder, Mário de Sá Carneiro, Al Berto, o Cesário, Pessoa, Maria Teresa Horta, e o saudoso Manuel Pina. Sei lá, são tantos. Na prosa sou apaixonado pelo Hemingway e pelo Mário Cláudio, mas aqueles que leio e releio vezes sem conta, são os autores sul-americanos: Garcia Marquez, Vargas Llosa, Allende, Sepúlveda, o Mia Couto também, que não se enquadra bem aqui, mas amo-o na mesma. De mais a mais, estou sempre a descobrir novos autores que me encantam igualmente, e isso, é o mais importante de tudo, a descoberta.

Casimiro, muito obrigado, tudo de bom para ti e muito sucesso!

4 comentários:

Ângelo Marques disse...

muito boa a entrevista e sem reservas nas "palavras", as histórias multiplicam-se o azedume entre editoras e "jovens" escritores, verdadeiramente triste, mas força C. T. só espero que esta entrevista ajude outras almas, pela minha parte fiquei bem mais lúcido. parabéns a ambos os Casimiro e Paula.

Paula disse...

Ângelo,
Esta foi uma entrevista que me deu muito agrado fazer. Já tinha dado conta desta situação... e é preciso mostrar esta realidade que muitos de nós desconhecemos.
:)

Anónimo disse...

A angústia do autor é notória nesta entrevista, mas a perseverança também, característica esta que certamente prevalecerá.

Vasco
http://vascoricardo.blog.com

Odete Silva disse...

Gostei muito da entrevista, espero que se façam mais para divulgação dos autores portugueses, os meu parabéns.